Ano Novo, vida velha

Postado por Simone Pereira , quinta-feira, 30 de dezembro de 2010 16:09

Mais uma volta que a Terra deu em torno do Sol, mais um ano que termina. Estamos às vésperas do Ano Novo, mais um ano onde pessoas supostamente se comprometem com algo como perder alguns quilos, estudar mais, viver uma vida nova, fazer isso ou aquilo e blá blá blás...

São apenas blá blá blás, pois todas essas promessas, toda essa vontade de fazer a diferença são como os fogos de artifício, são belos na hora, mas se apagam rapidamente, e tudo volta a ser como era antes, nada de fogos, nada de mudanças, e a chama do entusiasmo se apaga, e no dia seguinte, o ano novo, já virou ano velho mais uma vez.
Enfim, são muitas comemorações, muita festa pra que mesmo? Afinal a força de vontade de algumas pessoas duram apenas uma queima de fogos, a coragem vive com medo de arriscar, e os sonhos não passam de companheiros de travesseiro.
Nenhum ano será realmente novo se continuarmos a cometer os mesmos erros dos anos velhos.

Reflita e faça com que 2011 não seja apenas um ano, mas o Ano. Ainda há tempo para mudar.

Ao vencedor, batatas?!

Postado por Simone Pereira , segunda-feira, 20 de dezembro de 2010 09:28

“[...]Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos que assim adquire forças para transpor a montanha e e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais feitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
- Mas a opinião do exterminado?
- Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias. [...]”.

-Quincas Borba, capítulo VI

A trajetória da existência é um ciclo. Assim como bolhas são transitórias, nós e nossos anseios também somos temporários.
A cada dia partimos em busca de novas “batatas”, partimos para o combate, muitas vezes de forma errada para conquistarmos algo que por ocasiões, nem sabemos ao certo o que é; estamos em um jogo em uma competição desenfreada com o único objetivo de conquistar as míseras "batatas" e a passageira glória e prestígo que ela proporciona.
Somos o nosso próprio algoz, somos o nosso lobo, a caça e o caçador; partimos em busca de algumas “conquistas” (5 minutos de fama)  fúteis; travamos a batalha de forma errada, queremos exterminar e passar por cima a todo custo de todos aqueles que ameaçam a nossa glória, a nossa transitória e miserável coleção de batatas.
Seríamos seres melhores, se cada indivíduo tivesse a consciência de que nessa água somos apenas meras e insignificantes bolhas, pois a tensão não está no outro e sim em cada um, onde o conflito é exatemente entre o que somos,poderíamos e gostaríamos de ser, entre o que temos, poderíamos ou gostaríamos de ter.
No mundo existem mais coisas do que o nosso próprio umbigo, e ao invés de concentrar as energias lutando contra um vizinho “inimigo”, deveríamos nos concetrar na capacidade de ponderar, pensar e refletir; vale a pena sacriaficar o que amamos por coisas pequenas? 
Batatas são apenas batatas.

Um Apólogo

Postado por Simone Pereira , sábado, 18 de dezembro de 2010 09:41

Segue o conto "Um Apólogo" do grande autor da língua portuguesa Machado de Assis; mesmo extenso, creio que este conto lido com atenção e após um breve reflexão fala por si só, dispensando qualquer comentário.


Um Apólogo
 (Machado De Assis)

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora?  A senhora não é alfinete, é agulha.  Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa!  Porque coso.  Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você?  Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser.  Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco?  Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas?  Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: 
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. 
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59.